terça-feira, 25 de março de 2008

Do Ziriguidum

Nós brasileiros convivemos com o fato de não sermos um país rico em termos econômicos. Estudiosos e leigos são pessimistas quanto a possibilidade de nos tornamos uma superpotência, seja por conta de raízes sociais inadaptáveis à organização do Estado burocrático moderno, ou da corrupção que infesta os poderes da República. Com o cunho de país em desenvolvimento, ficamos em uma posição à margem no sistema de nações do cenário global, como se ainda não estivéssemos atingido o grau de organização necessário para dar conforto e bem-estar à população.

Em nenhum outro modo de produção a renda monetária esteve tão no centro da vida das pessoas. A base para o funcionamento do capitalismo é o consumo. Sendo assim, o fator excludente de uma sociedade ajustada aos moldes daquele é o poder de compra. Se o indivíduo não tem como absorver os milhares de produtos novos que surgem a cada dia, então ele não interessa para o sistema, ficando à margem. Assim, o homem contemporâneo está cada vez mais virando um refém cego da indústria, da tecnologia. O objetivo de vida se transforma gradativa e unicamente na aquisição de bens materiais, muitas vezes não importando os meios para atingir tal intento, de modo que, rodeado de quinquilharias, o sujeito angaria o respeito e o carinho dos que estão a sua volta. Sim, a nossa dignidade e existência estão diretamente atreladas ao nosso poder aquisitivo. Por isso que, já há algum tempo, tem se questionado se dinheiro equivale à felicidade.

Mas qual a relação disso com o Brasil? Bom, sendo um país não suficientemente desenvolvido, é conseqüente a existência de milhões de cidadãos marginais, ou seja, que não se inserem na sociedade consumidora, por terem condições de, no máximo, alimentarem-se. Porém, indo de encontro à relação consumo-felicidade, podemos observar que muitas dessas pessoas acham algum motivo para sorrir, para entusiasmarem-se. Eis que tenho cá minha teoria. A toda-poderosa-yankee variável consumo não é o forte do Brasil, todavia temos uma variável inata a que poucos têm dado a devida relevância: o samba. Este ritmo contagiante colore a alma, seduz os sentidos, hipnotiza o corpo, fazendo-o se mover, de acordo com o batuque. Claro que qualquer tipo de música traz a sensação de bem-estar: a clássica, a religiosa, a valsa..., mas aplicando uma metodologia altamente confiável pude concluir que o samba é superior a todos os outros gêneros musicais. Vejamos: observando o nível de abrangência populacional e de grupos regionais distintos, podemos dizer que o samba é o ritmo que mais facilmente as pessoas se encantam. Pode-se constatar tal inferência nas origens dos milhões de turistas que vêm ao País na época do carnaval: escandinavos, japoneses, catalães, eslavos, escoceses... o samba contagia qualquer grupo étnico, credo e opção sexual. Aos brasileiros, criadores desse tesouro cultural, o samba traz felicidade, sentido para a existência. Sob o efeito de milhares de sensações prazerosas, o indivíduo acha sua identidade na sociedade; com acesso livre à alegria, sem obstáculos econômicos, ele se sente parte de um conjunto, o qual qualquer um pode fazer parte, sem pré-requisitos – o conjunto do samba.

É gratificante perceber que existem outros fatores, além do dinheiro, que estão diretamente ligados com a felicidade. Se esta é o verdadeiro objetivo do ser humano, posso então dizer que o Brasil é um país diferenciado: consegue criar formas alternativas não apenas de combustível, mas de meios de aflorar a alegria na população, sem competições e poluição; apenas pelo libertar da expressão corporal. Dissimulado, o samba vem sendo parte de nossas vidas; de uma hora pra outra, ele pode subverter a ordem e alavancar o país do futuro.

Vitrola: Fita Amarela

quinta-feira, 20 de março de 2008

Do Baile


Devido a compromissos de suma importância conjugados com atividades universitárias tediosas, o novo post fica adiado para um dia mais tranqüilo.
Vitrola: Orquestra Imperial

domingo, 16 de março de 2008

Do Sucesso

Não importa como for
Conjugar composição com melodia
Tom e timbre em sintonia
Eu quero ser cantor

Decifrar a arte de brilhar
As notas vão saindo da viola
Mexendo a saia da senhora
Eu vou ser pop-star




Vitrola: Lisbela

quarta-feira, 12 de março de 2008

Da Elite do Crime

Qual a mensagem que passa o “Tropa de Elite”? Muitos têm acusado o filme de promover o fascismo. Talvez pela rápida popularidade alcançada pelo BOPE, o encantamento das pessoas por uma tropa de elite desconhecida por muitos, que, além de ser eficiente, não é corrupta – algo inédito no Brasil –, ele tenha-se transformado no segmento da polícia símbolo de heroísmo. Descobrimos os salvadores da pátria. No entanto, creio que o enredo do filme não apresente glória alguma. Pelo contrário, na guerra do tráfico parece não haver perdedores ou ganhadores. De um lado, miseráveis que têm o crime como profissão. De outro, um pequeno contingente de policiais que recebem um mínimo salário para matarem compatriotas. Enquanto eles duelam, os principais culpados reclamam, do outro lado da cidade, da violência generalizada e da corrupção da máquina pública.

É fácil reclamar, exigir os direitos de cidadão. A segurança é sempre a grande preocupação do governo, sendo também mais uma de suas ineficiências. Para os reclamantes do segmento da população com um nível de vida confortável, a solução se encontra nos gastos em tecnologias: cercas elétricas, vidros blindados e escuros; além dos gastos agora convencionais em seguros, seguranças particulares e condomínios fechados, símbolo da exclusão da vida social urbana, barreira contra o centro e as favelas. O que me parece paradoxal é o fato de ser essa camada social aquela que tem o poder aquisitivo para consumir os produtos ilícitos fornecidos pelos altos morros das favelas.

O encontro de dois mundos completamente distintos, embora constituídos da mesma espécie: como no encontro da água doce com a salgada, que gera o fenômeno da pororoca. Os seres são os mesmos, as realidades diferentes. O honrado cidadão da pátria se rebaixa ao mundo culturalmente inibido, dos profissionais informais, da ausência de infra-estrutura, dos barracões, das altas taxas de natalidade, de onde não há espaço para as novidades do mercado: roupas de marca, eletroeletrônicos, automóveis... O local onde a vida é difícil, onde as perspectivas e oportunidades são restritas. Ele vai lá para exercer sua função primordial para a economia: consumir; o fator exigido para se receber identidade na sociedade de organização capitalista. Como um dos vários bens de consumo supérfluos, a droga faz parte de seu contentamento, diversão. Curtir o barato, libertar-se dos problemas, sentir prazer, distanciar-se do mundo, sonhar acordado. Sim, quem tem poder de compra, pode adquirir a alegria instantânea. Pode ser (e é) prejudicial à saúde, alguns afirmam lidar bem com o uso, mas o fato é que não se entra em loja para comprar drogas. É um comércio ilícito, ou seja, ocultamente realizado por criminosos. Seriam eles os que vendem ou os que compram? Penso que ambos são infratores da lei. No entanto, quem fica mais vulnerável são os fornecedores. Na favela que se dá o comércio, a chegada e a negociação dos produtos. É lá que nasce a violência, onde estão concentrados arsenais de guerra e exército de assassinos, assaltantes, malfeitores, bárbaros. Pessoas que têm o tráfico como profissão.

Então, deste lado, os marginais desejam mais do que tudo a inserção na sociedade. O que isso significa em uma economia de mercado? Consumo. Mais que educação, trabalho, arte, ética, o dinheiro vale mais que tudo isso, é a finalidade, não o meio. Sobretudo os jovens necessitam consumir, precisam assumir um estilo de se vestir, a música a ouvir, os lugares a freqüentar, para mostrarem suas personalidades, para serem aceitos em seus círculos de amizade e pela sociedade em geral. Escapar do preconceito da feiúra visual, talvez o maior excludente social. A maneira de adquirir o meio que possibilite a vontade de auto-afirmação mais rápida e certeira é o crime. Por ser ilegal, logo de difícil acesso, é fácil manter a mercadoria por preço alto, sem acarretar queda no consumo. Dinheiro abundante, como ganhar na loteria pra quem nunca teve coisa alguma. Se fossem tentar os meios para conseguir o sucesso profissional, teriam de enfrentar o preconceito social, os obstáculos de uma educação de péssima qualidade, a conjugação dos estudos com o trabalho para ajudar a receita doméstica, a maternidade precoce... Não é impossível, mas aquelas pessoas, na maioria das vezes, não sabem disso, desconhecendo o mundo fora da miséria, das luzes. Assim que o tráfico é visto como o caminho promissor para os que estão nas trevas do pensamento. Enquanto há poucos estímulos para as políticas sociais, a propensão a consumir drogas se mantém alta. Esse é o principal investimento que os economicamente favorecidos fazem no mundo dos flagelados, incitando a prosperidade material às custas do crime.

Assim que se desenrola o enredo de “Tropa de Elite”. Sem pensar em mais nada que não em si mesmo, seguindo os preceitos da livre-iniciativa, o primeiro escalão da sociedade sustenta a violência, destruindo a vida de milhares de cidadãos e onerando o serviço de segurança do governo, tudo em nome da satisfação pessoal; consumo.
Vitrola: Rap das Armas

sábado, 8 de março de 2008

Do Ser Mulher

Embalada pelo chacoalhar do ônibus, a languidez corporal aflora no fechar dos olhos dela. Desprovida de beleza, gotas d’água pipocam em sua pele, enquanto do cabelo despenteado fios rebeldes se percebem. Compacto da feiúra, parece que virou as costas para vaidade. Porém, quando parece que será aprisionada pelo sono profundo, entregando os pontos para o corpo disformemente fatigado, eis que o brilho do esmalte colorido se abre em sua mão. Como um botão de flor no pântano, lembra aos olhos do mundo que, na essência de seu ser, a graciosidade sempre tem vez. Situação deplorável de estranho encanto: quando não sabe se cai sono, ou se dá cor às suas unhas; mesmo que de marca vagabunda. Mulher.



Vitrola: Cotidiano

quarta-feira, 5 de março de 2008

Do Encantamento pelo Mundo Pequeno

Logo que cheguei de viagem, pensei em escrever sobre algum aspecto interessante dela; nada, todavia, me veio à mente. Decorrido então pouco mais de uma semana do retorno, a saudade bateu e o motivo desta é o tema do texto. Passei uns cinco dias em Veranópolis na Serra Gaúcha com mais duas amigas entre outras companhias. Cidade com pouco mais de vinte mil habitantes, sem sinaleira, shopping, transporte público e formigueiros humanos. Pacata, limpa, quieta, devagar. Em outros tempos acharia isso tudo muito mais chato que prazeroso. Desfrutar da tranqüilidade e do cantar dos pássaros era impossível, sendo sempre muito entediante. Percebo agora que a saudade é o sinal de que mudei de opinião. É certo que a novidade que representa uma cidade desconhecida e a presença de amigas em vez de meus familiares são fatores que atenuam a abstinência das maravilhas práticas e tecnológicas do mundo urbano. No entanto, acho que precisava de um descanso das outrora tão ovacionadas qualidades da metrópole global. Estar em contato com todos a qualquer momento, ser bombardeada por informações de todos os assuntos possíveis, ter a possibilidade de escolher mil e um programas a fazer, entre vários locais diferentes os disponibilizando. Ter o privilégio de pesquisar preços entre a concorrência de supermercados, lojas, postos de gasolina... e a oportunidade de optar entre várias instituições de ensino, vagas de emprego, locais de moradia. O fantástico mundo urbano, cheio de facilidades, asfalto e glamour. O conjunto de tudo que o homem contemporâneo precisa para viver. Trabalho e lazer lado a lado. Porém chega um momento que tantas informações, oportunidades, pessoas saturam o cérebro. Tudo isso nos obriga involuntariamente a pensarmos o tempo todo, a medirmos os custos de oportunidade a cada precioso minuto. São tantos os problemas a resolver, os jornais a ler, os amigos a visitar, os eventos a comparecer. O tempo passa rápido e nunca estamos plenamente satisfeitos com a forma que o utilizamos. Chuva naquele passeio no parque no fim de semana é o fim, por que cargas d’água não fiquei em casa adiantando o trabalho? Há pouco tempo para planejar, pensas antes de agir, o que aumenta as chances de erros e esquecimentos, contribuindo para o carregamento de estresse e rugas. O tempo não pára.

Na Serra, em lugar do computador havia uma paisagem linda; da multidão, árvores; dos carros, bicicletas. Longe da poluição do ar, sonora, visual... o que resta é a despreocupação. É a obrigação de apreciar doces coloniais, quedas d’água, clima ameno, pessoas simpáticas, vinho doce... Sem o risco de ser encontrado pelos cobradores de dívidas e satisfações, o tempo é livre para libertar a mente. Ler romances, ouvir rádio, assistir a programas televisivos desprovidos de cultura útil, jogar cartas. Fazer nada, pensar em nada. Nem mesmo onde comprar, o que fazer, dado as poucas opções que a pequena cidade oferece. Essas qualidades são quase que exclusivas delas; quero dizer que não há lugar para tais atributos na cidade grande, incompatibilidade de estilo.

Mas há uma característica que cairia como uma luva para o mundo urbano brasileiro: a segurança de se caminhar na rua em qualquer horário. Além de termos de enfrentar todo o problema da distância entre os locais na cidade grande, o que envolve trânsito congestionado e ônibus lotado; de termos que conviver com o lixo nas ruas, riachos imundos e pedintes por todas a parte. Por cima de tudo isso está a privação da liberdade de ir e vir. Vivemos reprimidos pela constante ameaça daqueles que optaram pela vida criminosa. Assim, além de andarmos com a cabeça cheia com as tarefas a cumprir, ainda devemos estar sempre alerta, desconfiados daquele que nos cercam. Em meio à multidão, estamos cada vez mais individualistas por causa do constante receio. Como se rondados por forças do mal, tentamos formar um campo de força para nos proteger, assumindo uma postura indiferente. Fora do nosso círculo de conhecidos, estamos sós, ou melhor, acompanhados pelo perigo.

É difícil escolher entre a vida corrida, cheia de ruas a visitar, da cidade com a pacificidade e a liberdade de corpo e espírito da Serra. Quando o que mais importa é o sucesso material, objetivo de todos os integrantes da sociedade consumidora, estar perto dos grandes centros é primordial. Mas fico pensando se para viver um amor – seja pela mpb, ou seja lá qual for – é preciso algo a mais do que sossego. Acho que não. Considerando que o amor faz par com a felicidade, adeus mundo urbano, pelo menos enquanto a paixão durar.



Vitrola: Quando um homem tem uma mangueira no quintal

sábado, 1 de março de 2008

Da Platonice

Perto de mim o coração acelera
Estímulo do que se vê ao longe
Ilustre perfeição da quimera
A felicidade ali se esconde

Estranha vontade de se fazer presente
Enquanto guardado o sentimento está
Sofrimento apaixonado latente
Ausente a coragem de se declarar

Despercebido do encantamento alheio
Melodias românticas ao pé do ouvido
Cantarola o ser perfeito
Como se se correspondesse comigo

Delírios encantados de lascivo ardor
Estremesse o corpo enamorado
Só de ver o utópico amado
Enaltece a alma, morre de amor




Vitrola: Apenas mais uma de amor