quarta-feira, 12 de março de 2008

Da Elite do Crime

Qual a mensagem que passa o “Tropa de Elite”? Muitos têm acusado o filme de promover o fascismo. Talvez pela rápida popularidade alcançada pelo BOPE, o encantamento das pessoas por uma tropa de elite desconhecida por muitos, que, além de ser eficiente, não é corrupta – algo inédito no Brasil –, ele tenha-se transformado no segmento da polícia símbolo de heroísmo. Descobrimos os salvadores da pátria. No entanto, creio que o enredo do filme não apresente glória alguma. Pelo contrário, na guerra do tráfico parece não haver perdedores ou ganhadores. De um lado, miseráveis que têm o crime como profissão. De outro, um pequeno contingente de policiais que recebem um mínimo salário para matarem compatriotas. Enquanto eles duelam, os principais culpados reclamam, do outro lado da cidade, da violência generalizada e da corrupção da máquina pública.

É fácil reclamar, exigir os direitos de cidadão. A segurança é sempre a grande preocupação do governo, sendo também mais uma de suas ineficiências. Para os reclamantes do segmento da população com um nível de vida confortável, a solução se encontra nos gastos em tecnologias: cercas elétricas, vidros blindados e escuros; além dos gastos agora convencionais em seguros, seguranças particulares e condomínios fechados, símbolo da exclusão da vida social urbana, barreira contra o centro e as favelas. O que me parece paradoxal é o fato de ser essa camada social aquela que tem o poder aquisitivo para consumir os produtos ilícitos fornecidos pelos altos morros das favelas.

O encontro de dois mundos completamente distintos, embora constituídos da mesma espécie: como no encontro da água doce com a salgada, que gera o fenômeno da pororoca. Os seres são os mesmos, as realidades diferentes. O honrado cidadão da pátria se rebaixa ao mundo culturalmente inibido, dos profissionais informais, da ausência de infra-estrutura, dos barracões, das altas taxas de natalidade, de onde não há espaço para as novidades do mercado: roupas de marca, eletroeletrônicos, automóveis... O local onde a vida é difícil, onde as perspectivas e oportunidades são restritas. Ele vai lá para exercer sua função primordial para a economia: consumir; o fator exigido para se receber identidade na sociedade de organização capitalista. Como um dos vários bens de consumo supérfluos, a droga faz parte de seu contentamento, diversão. Curtir o barato, libertar-se dos problemas, sentir prazer, distanciar-se do mundo, sonhar acordado. Sim, quem tem poder de compra, pode adquirir a alegria instantânea. Pode ser (e é) prejudicial à saúde, alguns afirmam lidar bem com o uso, mas o fato é que não se entra em loja para comprar drogas. É um comércio ilícito, ou seja, ocultamente realizado por criminosos. Seriam eles os que vendem ou os que compram? Penso que ambos são infratores da lei. No entanto, quem fica mais vulnerável são os fornecedores. Na favela que se dá o comércio, a chegada e a negociação dos produtos. É lá que nasce a violência, onde estão concentrados arsenais de guerra e exército de assassinos, assaltantes, malfeitores, bárbaros. Pessoas que têm o tráfico como profissão.

Então, deste lado, os marginais desejam mais do que tudo a inserção na sociedade. O que isso significa em uma economia de mercado? Consumo. Mais que educação, trabalho, arte, ética, o dinheiro vale mais que tudo isso, é a finalidade, não o meio. Sobretudo os jovens necessitam consumir, precisam assumir um estilo de se vestir, a música a ouvir, os lugares a freqüentar, para mostrarem suas personalidades, para serem aceitos em seus círculos de amizade e pela sociedade em geral. Escapar do preconceito da feiúra visual, talvez o maior excludente social. A maneira de adquirir o meio que possibilite a vontade de auto-afirmação mais rápida e certeira é o crime. Por ser ilegal, logo de difícil acesso, é fácil manter a mercadoria por preço alto, sem acarretar queda no consumo. Dinheiro abundante, como ganhar na loteria pra quem nunca teve coisa alguma. Se fossem tentar os meios para conseguir o sucesso profissional, teriam de enfrentar o preconceito social, os obstáculos de uma educação de péssima qualidade, a conjugação dos estudos com o trabalho para ajudar a receita doméstica, a maternidade precoce... Não é impossível, mas aquelas pessoas, na maioria das vezes, não sabem disso, desconhecendo o mundo fora da miséria, das luzes. Assim que o tráfico é visto como o caminho promissor para os que estão nas trevas do pensamento. Enquanto há poucos estímulos para as políticas sociais, a propensão a consumir drogas se mantém alta. Esse é o principal investimento que os economicamente favorecidos fazem no mundo dos flagelados, incitando a prosperidade material às custas do crime.

Assim que se desenrola o enredo de “Tropa de Elite”. Sem pensar em mais nada que não em si mesmo, seguindo os preceitos da livre-iniciativa, o primeiro escalão da sociedade sustenta a violência, destruindo a vida de milhares de cidadãos e onerando o serviço de segurança do governo, tudo em nome da satisfação pessoal; consumo.
Vitrola: Rap das Armas

Um comentário:

Anônimo disse...

do Cap. Nascimento para o estudante de classe média: "é você quem financia isso aqui"