quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Do Vencedor

Só citar já vira polêmica. O programa televisivo mais popular do Brasil nas férias de verão é alvo de extrema hostilidade daqueles que se julgam intelectualmente superiores. Pode ser que o Big Brother Brasil seja um programa culturalmente insuficiente e que o fato de contribuir para um desconhecido ficar milionário seja um tanto ridículo; penso, no entanto, que analisar tamanha popularidade e a convulsão social que o BBB causa é interessante, podendo render boas análises da sociedade brasileira, do alcance da mídia e de seus reais interesses, assim como do julgamento dos comportamentos alheios.

O primeiro fato a que me atenho é o da fidelidade do brasileiro ao programa. É incrível mas estamos na oitava edição, com previsão de continuidade até 2011. O que há de tão interessante na convivência de pessoas desconhecidas que lutam por enriquecerem facilmente? Suponho que seja o mesmo interesse pelo que se tem em relação às tão populares novelas. Apegar-se à vida de personagens ou pessoas é mais fácil para o brasileiro do que a idéias, escritos, pinturas, ou qualquer tipo de trabalho desenvolvido por um desconhecido. Pessoalidade; estabelecer vínculos, identificar-se com outros seres humanos. Sobretudo emocionar-se pelas alegrias ou tristezas alheias. O sentimentalismo está fortemente ligado à cordialidade. Preocupar-se com a reação das pessoas, o modo de agir. Talvez por isso seja tão atrelada a relação ídolo-fã no Brasil. Muitas vezes, deixamos de (ou passamos a) apreciar um trabalho por ações particulares do sujeito. Invadir a privacidade dos artistas é febre nacional. Damos muito valor à personalidade. Tanto que, como no caso do BBB e das novelas, estarmos diante de tantas nos prende tamanha atenção. Defender desconhecidos pelo são, não pelo que fazem.

Claro que isso não é uma característica exclusiva do brasileiro, mas talvez aflore mais em nós. Ainda mais quando tal característica inata é estimulada. A campeã de audiência televisiva brasileira que o diga. Contabilizamos, no mínimo, cinco novelas diárias, mais o BBB e uma minissérie no verão na sua grade programação. Isso é o que eles chamam de política social? Apresentar programas que praticamente não adicionam conhecimento algum aos telespectadores? Os documentários, programas musicais, discussões políticas, talk shows com estudiosos, divulgação de trabalhos artísticos, notícia internacionais, etc. ficam escondidos, sendo acessados pelos financeira e, em conseqüência, educacionalmente providos. Se a educação é um problema para quem está à margem da população – a maioria –, o acesso às informações também. Porém há um contraponto entre as variáveis. Enquanto a falta de educação é um problema para o Estado – excetuando-se os políticos que tiram proveito da situação –, a manutenção da ignorância rende um alto e fácil índice de audiência. Com uma boa dose de carisma, se ganha uma crítica desprovida de informações, de desenvolvimento do raciocínio, do pensar. Nada de expandir os horizontes, isso gera a formação de uma crítica questionadora, perda de credibilidade, o que significa menor afluxo de recursos financeiros.

E quem vai abrir mão de dinheiro nesses dias competitivos? É estranho contrastar as denúncias jornalísticas dos escândalos de corrupção na política quando os que estão na frente das câmeras estão, da mesma forma, roubando os brasileiros. Roubando seus olhos, atando seus pensamentos, manipulando suas opiniões. Aprisionados naquele discurso de bondade populista, de preocupação social falsa, a população caminha para a escuridão, acreditando ser essa uma boa via. Imersos nesse mundo fechado, há ainda resquícios de racionalidade: discussões acaloradas surgem freqüentemente sobre o caráter de cada participante do BBB. Um prato de mão cheia, o jogo não estabelece critério específico de conduta dos participantes para vencerem. O ganhador da bolada de um milhão de reais deve apenas agradar o público ao máximo, já que este é quem dá o veredicto final. Um desfile de personalidades se põem, então, à mostra, como a exposição de roupas em vitrines. É interessante observar o tipo de pessoa que tem mais popularidade, o perfil do vencedor. A vítima é sempre muito bem vista; aquele que é perseguido pelos demais geralmente é acolhido, enquanto os outros recebem o rótulo de vilões. Os menos favorecidos financeiramente, o famoso “pobre-coitado”, cai nas graças do público por ser o mais necessitado, o que realmente precisa do dinheiro. Ser engraçado é outro fator positivo, estar sempre com alto-astral. O que acho mais intrigante é o número um da queimação de filme: admitir que se está jogando. Falta grave. Na minha singela opinião, a partir do momento que se entra em um jogo, se está necessariamente jogando. Mas para os telespectadores e também para os participantes, assumir que a pessoa tem estratégias é o fim, é como um atestado de falsidade. Agir meticulosamente, calcular cada passo talvez se assemelhe às características dos vilões das novelas. Os mocinhos, grandes queridinhos, agem espontaneamente, sendo naturalmente alegres, felizes, saltitantes e sinceros. Uma visão maniqueísta.

A meu ver na vida real não há bem ou mal exclusivos. Todos nós temos nosso lado vilão e mocinho. Invariavelmente somos todos um pouco gananciosos e incorporamos personagens em cada circunstância da vida. Podemos fingir que estamos bem para não preocupar os outros, fingir um sorriso para agradar àqueles que amamos, inventar uma desculpa para recusar um convite. Não se vive somente da verdade. Omitir, mentir, atuar fazem parte da vida e são necessários em determinados momentos. No fim das contas, o Big Brother é aquele que mais conseguiu passar uma imagem de bonzinho para se dar bem. Mal-humor e agressividade são pares que não combinam, embora eu nunca tenha conhecido pessoa que não apresentasse tais qualidades. Um super-herói que salva ninguém (fajuto?): coisas da vida real.




Vitrola: O Vencedor

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